A existência de papel

(Você pode ler esse texto ao som de Terra De Gigantes)

Tem algo sobre mim que você não sabe: eu afasto as pessoas. E eu nem sei direito como isso funciona, mas no fim, sempre termino sozinha. Os meus fios se arrebentaram há muito tempo. Eu perdi os meus laços com as pessoas e eu não consigo ficar cinco minutos em uma sala com todas essas pessoas vazias sem me sentir sufocada. Eu nunca pertenci a esse mundo ou o mundo não me pertence? É sobre não ser compreendida quando mais de sete bilhões de pessoas estão por aí, mas talvez a verdade já fosse dita "agora lá fora, o mundo todo é uma ilha". Eu sou uma garota de papel, uma boneca de pano, uma promessa quebrada, as rachaduras na parede, uma canção pela metade. E eu transbordo. Tenho essa mania de ser intensa, de ser esperançosa e de ter o coração de jacu. Eu não sou Capitu. Não tenho olhos de cigana oblíqua e dissimulada, muito menos de ressaca. Eu tenho olhos vazios, porque o coração é que tá cheio. Porque eu não bombeio sangue para o meu coração, eu bombeio amor. Olhos vazios, porque a esperança é cega e surda e me muda. Muda. Quando eu vejo as minhas vestes rasgadas da guerra de todo dia, para morrer sozinha em alguns anos ou meses ou dias ou até mesmo... Agora. Se é que já não morri ou me mataram. Como trazemos as pessoas de volta para a vida? Como as tiramos dos seus escritórios malditos e de suas vidas vazias e de suas verdades de papel? Como é que se chama atenção de quem ficou cego para o que mais importa? Como é que eu posso manter as pessoas por perto se elas não olham mais para o Sol? Vivem reclamando do calor e não tem água e não tem altruísmo e não tem amor e não tem amizade e não tem vida. Todos viramos robôs que nascem para estudar e ser alguém na vida e se formar e casar e ter filhos e os filhos vão estudar e vão ser alguém na vida e vão se formar e vão casar e vão ter filhos e o ciclo sem fim que nos guiará, sem dor nem emoção, querido rei Leão, porque ninguém nem vive de verdade. Estamos vendo a vida passar com alguns papéis controlando nossa existência de papel. Concordando com a cabeça enquanto o tempo nos assalta e nos leva. Aqui pessoas têm medo de dizer que amam, medo de sair de casa e suas roupas não agradarem pessoas que tem tanto medo disso também. Aqui pessoas constroem muros e grades nas coisas e em si mesmas. Esse texto não é sobre o sistema capitalista, não é sobre Deus, nem sobre onde iremos quando o fim começar ─ se esse for o caso. É sobre como eu afasto as pessoas de mim, que sou uma garota de papel vivendo uma vida de papel. Mas já foi dito antes também "é sempre em vão tentar conter as palavras". Esse texto não tem fim e minhas aflições também não.

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